quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Trechos do novo livro sobre Bento XVI
L'Osservatore Romano
(tradução de Leonardo Meira - equipe CN Notícias)
A nova obra, editada em italiano pela Libreria Editrice Vaticana, foi publicada ao mesmo tempo em outras línguas, terça-feira, 23 de Novembro. Nos 18 capítulos que a compõe, agrupados em três partes - "Os sinais dos tempos", "O pontificado", "Para onde caminhamos" -, o Papa responde às mais acoloradas questões do mundo de hoje. Do livro, antecipamos alguns trechos.
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A alegria do cristianismo
Toda a minha vida foi sempre atravessada por um fio condutor, este: o cristianismo dá alegria, amplia os horizontes. Definitivamente, uma existência vivida sempre e sobretudo a partir do "contra" seria insuportável.
Um mendigo
Naquilo que diz respeito ao Papa, também ele é um pobre mendigo diante de Deus, ainda mais dos outros homens. Naturalmente rezo, antes de tudo, sempre ao Senhor, ao qual sou ligado, por assim dizer, por antiga amizade. Mas invoco também os santos. Sou muito amigo de Agostinho, de Boaventura e de Tomás de Aquino. A eles, portanto, digo: "Ajuda-me!". A Mãe de Deus, então, é sempre um grande ponto de referência. Nesse sentido, insiro-me na Comunhão dos Santos. Juntamente com eles, reforçado por eles, falo também com o Deus bom, sobretudo mendigando, mas também agradecendo; ou contente, simplesmente.
As dificuldades
Tinha levado isso em conta. Mas, antes de tudo, devemos ser muito cuidadosos com a avaliação de um Papa, significativo ou não, quando ele ainda está vivo. Somente em um segundo momento se pode reconhecer qual lugar, na história em seu conjunto, tem uma determinada coisa ou pessoa. Mas que a atmosfera não seria sempre alegre era evidente, levando-se em conta a atual constelação mundial, com todas as forças de destruição que existem, com todas as contradições que nela vivem, com todas as ameaças e erros. Se eu tivesse continuado a receber sobretudo elogios, eu realmente deveria perguntar se estaria verdadeiramente anunciando todo o Evangelho.
O choque dos abusos
Os fatos não me causaram surpresa por completo. Na Congregação para a Doutrina da Fé, ocupei-me dos casos americanos; tinha visto também delinear-se a situação na Irlanda. Mas as dimensões, no entanto, foram um choque enorme. Desde a minha eleição à Sé de Pedro, havia repetidamente encontrado vítimas de abusos sexuais. Três anos e meio atrás, em outubro de 2006, em um discurso aos bispos irlandeses, havia pedido a eles "estabelecer a verdade acerca daquilo que havia acontecido no passado, tomar todos os atos necessários para que não se repetissem no futuro, assegurar que os princípios de justiça fossem plenamente respeitados e, sobretudo, curar as vítimas e todos aqueles que foram atingidos por esses crimes abomináveis".
Ver o sacerdócio, de repente, manchado dessa maneira e, com isso, a própria Igreja Católica, foi difícil de suportar. Naquele momento, era importante, no entanto, não desviar o olhar do fato de que, na Igreja, o bem existe, e não sobretudo essas coisas terríveis.
Os mídia e os abusos
Era evidente que a ação dos mídia não seria guiada somente pela pura busca da verdade, mas que fosse também um prazer colocar a Igreja na berlinda e, se possível, desacreditá-la. E, todavia, era necessário que isto ficasse claro: desde que se trate de trazer luzes à verdade, devemos ser gratos. A verdade, unida ao amor entendido corretamente, é o valor número um. E, então, os mídia não teriam podido oferecer aqueles relatório se na própria Igreja o mal não existisse. Somente porque o mal estava dentro da Igreja, os outros puderam voltá-lo contra ela.
O progresso
Emerge a problemática do termo "progresso". A modernidade procurou a sua estrada guiada pela ideia de progresso e de liberdade. Mas o que é o progresso? Hoje, vemos que o progresso pode ser também destrutivo. Por isso, devemos refletir sobre os critérios a adotar a fim de que o progresso seja verdadeiramente progresso.
Um exame de consciência
Para além de simples planos financeiros, um exame de consciência global é absolutamente inevitável. E a isso a Igreja procurou contribuir com a Encíclica Caritas in veritate. Não dá resposta a todos os problemas. Deseja ser um passo adiante para olhar as coisas a partir de outro ponto de vista, que não seja sobretudo aquele da factibilidade e do sucesso, mas do ponto de vista segundo o qual existe uma normatividade do amor pelo próximo que se orienta à vontade de Deus e não sobretudo aos nossos desejos. Nesse sentido, deveriam ser dados os impulsos para que realmente aconteça uma transformação das consciências.
A verdadeira intolerância
A verdadeira ameaça frente à qual nos encontramos é que a tolerância seja abolida em nome da própria tolerância. É o perigo de que a razão, a assim chamada razão ocidental, sustente ter finalmente reconhecido aquilo que é justo e avance assim a uma pretensão de totalidade que é inimiga da liberdade. Creio que é necessário denunciar com força essa ameaça. Ninguém é constrangido a ser cristão. Mas ninguém deve ser constrangido a viver segundo a "nova religião", como se fosse a única e verdadeira, vinculante para toda a humanidade.
Mesquitas e burca
Os cristãos são tolerantes e, enquanto tal, permitem aos outros a sua peculiar compreensão de si. Alegramo-nos pelo fato de que, nos países do Golfo Árabe (Qatar, Abu Dhabi, Dubai, Quwait), há igrejas nas quais os cristãos podem celebrar a Missa, e esperamos que isso aconteça em todos os lugares. Por isso, é natural que também nós defendamos que os muçulmanos possam reunir-se em oração nas mesquitas.
No que diz respeito à burca, não vejo razão para uma proibição generalizada. Diz-se que algumas mulheres não a usam voluntariamente, e que, na realidade, há uma espécie de violência imposta nisso. É claro que, com isso, não se pode estar de acordo. Se, no entanto, se desejasse usá-la voluntariamente, não vejo por que deveríamos impedi-lo.
Cristianismo e modernidade
O ser cristão traz em si algo de vivo, de moderno, que atravessa, formando-a e plasmando-a, toda a minha modernidade, e que, portanto, em um certo sentido, verdadeiramente a abraça.
Aqui é necessária uma grande luta espiritual, como desejei mostrar com a recente instituição de um "Pontifício Conselho para a nova evangelização". É importante que busquemos viver e pensar o Cristianismo de modo tal que assuma a modernidade boa e justa, e, portanto, ao mesmo tempo, afaste-se e distinga-se daquilo que está se tornando uma contra-religião.
Otimismo
Se poderia pensar olhando com superficialidade e restringindo o horizonte ao mundo somente ocidental. Mas, se se observa com mais atenção – e é aquilo que me é possível fazer graças às visitas dos bispos de todo o mundo e também através de tantos outros encontros -, percebe-se que o cristianismo, neste momento, está desenvolvendo também uma criatividade de todo nova [...].
A burocracia foi consumada e estancada. São iniciativas que nascem a partir do interior, da alegria dos jovens. O cristianismo, talvez, assumirá um rosto novo, talvez também um aspecto cultural diverso. O cristianismo não determina a opinião pública mundial, outros são a guia. E, todavia, o cristianismo é a força vital sem a qual também as outras coisas não poderiam continuar a existir. Por isso, com base naquilo que vejo e posso fazer experiência pessoal, sou muito otimista com relação ao fato de que o cristianismo encontre-se frente a uma dinâmica nova.
A droga
Tantos bispos, sobretudo aqueles da América Latina, dizem que, lá onde passa a estrada do cultivo e do comércio da droga – e isso acontece em grande parte daqueles países –, é como se um animal monstruoso e cativo estendesse a sua mão sobre aquele país para arruinar as pessoas. Creio que esta serpente do comércio e do consumo de droga que envolve o mundo seja um poder sobre o qual nem sempre chegamos a fazer uma ideia adequada. Destrói os jovens, destrói as famílias, leva à violência e ameaça o futuro de nações inteiras.
Também essa é uma terrível responsabilidade do Ocidente: tem necessidade de drogas e, assim, cria países que lhe forneçam aquilo que, então, terminará por consumi-los e destruí-los. Surgiu uma fome de felicidade que não pode saciar-se com aquilo que possui; e que, então, refugia-se, por assim dizer, no paraíso do diabo e destrói completamente o homem.
Na vinha do Senhor
Com efeito, eu tinha um papel de liderança, mas nunca fiz nada sozinho e trabalhei sempre em equipe; assim como um dos muitos trabalhadores na vinha do Senhor, que provavelmente fez o trabalho preparatório, mas ao mesmo tempo é aquele que não é feito para ser o primeiro e assumir a responsabilidade por tudo. Entendi que, ao lado dos grandes Papas, devem estar também Pontífices pequenos que dão sua própria contribuição. Assim, naquele momento, eu disse aquilo que senti realmente [...].
O Concílio Vaticano II ensinou-nos, com razão, que a estrutura da Igreja é constituída pela colegialidade; ou seja, o fato de que o Papa é o primeiro na partilha e não um monarca absoluto, que toma decisões sozinho e faz tudo por si só.
O judaísmo
Sem dúvidas. Devo dizer que desde o primeiro dia dos meus estudos teológicos ficou de algum modo clara a profunda unidade entre a Antiga e a Nova Aliança, entre as duas partes da nossa Sagrada Escritura. Compreendi que poderíamos ler o Novo Testamento somente em conjunto com aquilo que o precedeu, caso contrário não o teríamos compreendido. Então, naturalmente, tudo quanto aconteceu no Terceiro Reich atingiu-nos como alemães e tanto mais levou-nos a olhar para o Povo de Israel com humildade, vergonha e amor.
Na minha formação teológica, essas coisas foram interligadas e marcaram o caminho do meu pensamento teológico. Então ficou claro para mim - e também aqui em total continuidade com João Paulo II - que, no meu anúncio da fé cristã, devia ser fundamental essa nova conexão, amorosa e compreensiva, entre Israel e a Igreja, baseada no respeito ao modo de ser de cada um e da sua respectiva missão [...].
No entanto, nesse ponto, também na antiga liturgia pareceu-me necessário uma mudança. Na verdade, a fórmula era tal que feria verdadeiramente os judeus e, certamente, não expressava de forma positiva a grande, profunda unidade entre o Antigo e o Novo Testamento.
Por esse motivo, pensei que, na liturgia antiga, fosse necessária uma modificação, em particular, como eu disse, em referência ao nosso relacionamento com nossos amigos judeus. Modifiquei-a de modo tal que permanecesse contida a nossa fé, que Cristo é a salvação para todos. Não existem dois caminhos de salvação e, portanto, Cristo é também o Salvador dos judeus, e não apenas dos pagãos. Mas, também de modo tal que não se rezasse diretamente pela conversão dos judeus em um sentido missionário, mas para que o Senhor apresse o tempo da hora histórica em que todos seremos unidos. Por essa razão, os argumentos utilizados por uma série de teólogos polemicamente contra mim foram irresponsáveis e não fazem justiça ao que foi feito.
Pio XII
Pio XII fez todo o possível para salvar pessoas. Naturalmente nós podemos sempre perguntar: "Por que não protestou de maneira mais explícita?". Creio que havia compreendido quais seriam as consequências de um protesto público. Sabemos que, devido a essa situação, pessoalmente sofreu muito. Sabia que, por si mesmo, deveria falar, mas a situação impedia-o.
Agora, pessoas mais razoáveis reconhecem que Pio XII salvou muitas vidas, mas argumentam que ele tinha ideias antiquadas sobre os judeus e que não estava à altura do Concílio Vaticano II. O problema, no entanto, não é esse. O importante é o que ele fez e o que tentou fazer, e creio que é preciso verdadeiramente reconhecer que era apenas um dos grandes justos e, como nenhum outro, salvou tantos e tantos judeus.
A sexualidade
Concentrar-se somente no preservativo significa banalizar a sexualidade, e essa banalização é precisamente a perigosa razão pela qual tantas e tantas pessoas não veem na sexualidade mais a expressão do seu amor, mas apenas uma espécie de droga, que administram por si só. Por isso, também a luta contra a banalização da sexualidade é parte do grande esforço para que a sexualidade seja valorizada positivamente e possa exercer o seu efeito positivo sobre o ser humano em sua totalidade.
Pode haver casos individuais justificados, por exemplo, quando uma prostituta usa um preservativo, e esse pode ser o primeiro passo rumo a uma moralização, uma primeiro ato de responsabilidade para desenvolver de novo a consciência do fato de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer. No entanto, essa não é a maneira verdadeira e adequada para vencer a infecção do HIV. É verdadeiramente necessária uma humanização da sexualidade.
A Igreja
Paulo, assim, não entendia a Igreja como instituição, como organização, mas como organismo vivo, no qual todos operam para o outro e um com o outro, sendo unidos a partir de Cristo. É uma imagem, mas uma imagem que conduz em profundidade e que é muito realista também somente pelo fato de que nós cremos que, na Eucaristia, verdadeiramente recebemos Cristo, o Ressuscitado. Se todos recebem o mesmo Cristo, então verdadeiramente nós todos somos reunidos neste novo corpo ressuscitado como o grande espaço de uma nova humanidade. É importante compreender isso, e, portanto, compreender a Igreja não como um aparato que deve fazer de tudo – embora o aparato pertença a ela, embora dentro dos limites –, mas antes como organismo vivente que provém do próprio Cristo.
A Humanae vitae
As perspectivas da Humanae vitae permanecem válidas, mas outra coisa é encontrar estradas humanamente percorríveis. Creio que serão sempre das minorias intimamente persuadidas pela justeza daquelas perspectivas e que, vivendo-as, ficam plenamente satisfeitas, de modo a tornar-se para outros fascinantes modelos a se seguir. Somos pecadores. Mas não devemos assumir esse fato como instância contra a verdade, quando aquela moral elevada não é vivida. Devemos procurar fazer todo o bem possível, e apoiarmo-nos e suportarmo-nos mutuamente. Expressar tudo isso também do ponto de vista pastoral, teológico e conceitual no contexto da atual sexologia e da pesquisa antropológica é uma grande tarefa para a qual devemos nos dedicar mais e melhor.
As mulheres
A formulação de João Paulo II é muito importante: "A Igreja não tem, de nenhum modo, a faculdade de conferir às mulheres a ordenação sacerdotal". Não se trata de não desejar, mas de não poder. O Senhor deu uma forma à Igreja com os Doze e, então, com a sua sucessão, com os bispos e presbíteros (os sacerdotes). Não fomos nós que criamos esta forma da Igreja, mas é constitutiva a partir d'Ele. Segui-la é um ato de obediência, na situação atual talvez um dos atos de obediência mais pesados. Mas exatamente isso é importante, que a Igreja mostre não ser um regime arbitrário. Não podemos fazer aquilo que desejamos. Há, ao invés, uma vontade do Senhor para nós, à qual aderimos, também se isso é cansativo e difícil na cultura e na civilização de hoje.
Por outro lado, as funções confiadas às mulheres da Igreja são tão grandes e significativas que não se pode falar de discriminação. Seria assim se o sacerdócio fosse uma espécie de domínio, enquanto, ao contrário, deve ser completamente serviço. Se se dá uma olhada à história da Igreja, então se percebe que o significado das mulheres - de Maria a Mônica até Madre Teresa de Calcutá – é tão proeminente que, de muitas maneiras, as mulheres definem o rosto da Igreja mais do que os homens.
Os novíssimos
É uma questão muito séria. A nossa pregação, o nosso anúncio efetivamente é amplamente orientado, de modo unilateral, à criação de um mundo melhor, enquanto o mundo realmente melhor quase não é mais mencionado. Aqui devemos fazer um exame de consciência.
Claro, nós tentamos conversar com o público, dizendo-lhes o que está em nosso horizonte. Mas a nossa missão é, ao mesmo tempo, romper esse horizonte, ampliá-lo, e olhar as coisas últimas.
Os novíssimos (as últimas coisas) são como pão duro para os homens de hoje. Eles parecem irreais. Gostariam de colocar em seu lugar respostas concretas para o hoje, soluções para as tribulações cotidianas. Mas são respostas que ficam pela metade se também não permitem apresentar e reconhecer que eu me estendo para além desta vida material, que há um julgamento, e que há graça e eternidade. Nesse sentido, devemos também encontrar novas palavras e formas para permitir que o homem quebre a barreira de som do finito.
A vinda de Cristo
É importante que, em toda a época, esteja junto o Senhor. Que também nós mesmos, aqui e agora, estamos sob o juízo do Senhor e nos deixamos julgar pelo seu tribunal. Discutia-se acerca de uma dúplice vinda de Cristo, uma em Belém e uma no final dos tempos, até quando São Bernardo de Claraval falou de um Adventus medius, de uma vinda intermediária, através da qual Ele periodicamente entra na história.
Creio que tenha compreendido a tonalidade justa. Nós não podemos estabelecer quando o mundo acabará. Cristo mesmo disse que ninguém o sabe, nem mesmo o Filho. Devemos, no entanto, permanecer, por assim dizer, sempre permanecer esperando a sua vinda e, sobretudo, estarmos certos de que, nas dores, Ele está perto. Ao mesmo tempo, devemos saber que, pelas nossas ações, estamos sob o seu juízo.
Fonte: Canção Nova
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